Thursday, January 25, 2007

A autópsia

Em 1975, acabado o liceu, eu tinha sérias dúvidas sobre o curso a escolher. A implementação do Serviço Cívico Estudantil (lembram-se os da minha idade) adiou-me a escolha por um ano. Uma das minhas colegas de turma tinha precisamente escolhido o Hospital de Santa Maria para prestar o dito Serviço. Sabendo das minhas dúvidas, em que um dos termos era precisamente Medicina, um dia sugeriu-me: é pá vestes uma bata branca, fazes de conta que és estudante e vais ver uma autópsia comigo. Hesitei ante a macabra perspectiva, mas achei que seria uma boa ocasião de decidir se seria ou não capaz de aguentar aquela espécie de barbárie que às vezes me parece a medicina, passados tantos anos…
Bom, no dia combinado lá estávamos nós à porta da morgue, eu e um irmão dessa colega, mais novo do que nós aí uns dois ou três anos, (o que, não sendo nada hoje, era bastante naquela altura,) esperando por ela, que nos conduziria pelo labirinto do Hospital até ao local da malfadada função. Assim foi. Sem nenhuma dificuldade, sem que alguém fizesse qualquer pergunta, lá fomos nós até à sala em que se realizavam as autópsias. Como detalhe, direi que a minha amiga tinha visto entrar o agora morto, quando ainda era homem, na urgência, uns dias antes – ela própria ficou impressionada com a visão do cadáver.
Chegado o funcionário encarregue dos preliminares, a que passei daí em diante a chamar talhante, por razões que decerto não preciso de explicar, acercámo-nos da cena e tentámos fingir interesse científico pela obra, a que não era muito agradável assistir. Mas devo dizer que não desarmei e não dei parte de fraca. Já o mesmo não aconteceu com o irmão da minha amiga, que começou de repente a ficar muito branco e teve de ser levado “de urgência” para fora da sala, onde recuperou do trauma.
Para primeira vez foi obra, ainda por cima não se conhecia de facto a causa da morte e a médica responsável explicou com todos os detalhes o que procurava em cada um dos órgãos que ia dissecando (não encontro melhor palavra para o que vi fazer, uma espécie de fatiar dos órgãos em dúvida). Devo dizer que até o cérebro foi submetido a este procedimento e que presenciá-lo não é, de facto, nada agradável. Mas devo também dizer, em abono de alguma frieza que provavelmente transporto nos genes, que fiquei com imensa curiosidade, direi científica, sobre o corpo humano e as causas da falência daquele que ali estava à minha frente, na sua humanidade desalinhada pelo corte e costura da autópsia… Tanto quanto me lembro, a autópsia em si foi inconclusiva. Pela minha parte concluí, talvez erradamente, que aquele curso não era para mim.
Quando cheguei a casa a minha mãe tinha bife de vaca (as vacas ainda não tinham enlouquecido) para o almoço. Declinei, sem entrar em grandes pormenores. Durante uma semana não consegui comer carne, principalmente de vaca – tal é a semelhança!

Curiosamente, encontro em muitos domingos, almoçando no mesmo restaurante que eu, o “rapaz” que ficou branco nesta história…
Talvez por isso, e agora que penso no assunto, é raro que eu escolha um prato de carne, vou sempre para o peixe!

Tuesday, January 23, 2007


.... voltando atrás, ao tema da perfeição!

Friday, January 05, 2007

Natal 2006

A prenda chegou e com ela uma etiqueta simples, que dizia “Mãe A...”. Pensei em toda a ternura inclusa nestas curtas palavras – eis o caso em que a etiqueta é maior do que a prenda!