Monday, June 19, 2006

Intermitências da luz

A espaços, a luz domina. Mostra-nos quadros estáticos (quase pinturas murais estilizadas) ou figuras anónimas que se movem e amontoam em ritmos/rituais mecânicos, estereotipados. Como se aqui não houvesse lugar a personagens inteiras. Apenas fragmentos, restos delas, que apanham do chão outros restos.
Depois a luz apaga-se, longamente – adivinham-se na escuridão do palco convulsões, choques e mutações – ou a demonstração de que Tudo tem o seu lado obscuro, até mesmo a fotossíntese!
E de novo a luz se acende. Os movimentos em cena são por vezes caóticos, por vezes escrupulosamente ordenados. Gestos fúteis ou enérgicos, que a natureza vota ao esquecimento (a borboleta esvoaça, indiferente, sobre o indivíduo ou o monte de corpos).
Volteiam no ar sementes, esperanças de disseminação e glória, logo frustradas pela realidade do chão infértil. A turba lança-se na corrida às migalhas/moedas que lhe são atiradas.
Alguém rola compulsivamente sobre si mesmo. É arremessado, empurrado para fora de cena. Para fora da corrida em que se empenham as restantes figuras. A corrida que se impõe. Mas há ainda quem escreva sobre a pele desejos, secretos objectivos.
Cose-se ao pulsar da luz o pulsar da música, num crescendo ténue.
O espaço aparece, de repente, confinado, como se Tudo se passasse dentro de células incomunicáveis.
E o vómito final surge, inevitável, demonstração da insanidade e da intransponibilidade de barreiras e limites, que a todo o passo surgem…

(a propósito de um bailado sem título)

Monday, June 12, 2006

Não me lembro de nada

Por vezes a memória prega-nos partidas. No fundo talvez a sua função maior seja essa, impedir-nos a todo o custo e a todo o passo, de reconstituir a realidade. Ficamos presos a vagos fios de pensamento, tão falsos que nem conseguimos imaginar a dimensão do engano.

Talvez por isso eu não consiga dizer com precisão durante quanto tempo me arrastei, sem nenhuma relutância, no meio de almoços que verdadeiramente não me davam prazer, apenas me eliminavam a penosa tarefa da escolha - da companhia, do restaurante, por vezes até do prato.

Sei vagamente o caminhos dos restaurantes por onde andámos, vagamente os teus pratos preferidos : gostavas de favas, ou seria de bacalhau?
Vagamente sei do que falávamos, quanto gastávamos, em média, claro. Tinha de ser barato, sim, mas no princípio de cada mês podíamos dar-nos ao luxo de uma pequena extravagância, vá lá, um peixinho grelhado mais caro, numa praia cosmopolita. Nos outros dias prevalecia o formato da tasca mais ou menos limpa, atendimento simpático, vinho que não fosse zurrapa, enfim, uma exigência mínima pautada por um certo grau de asseio e simpatia, abaixo do qual não descíamos. E outro detalhe, esse era exigência minha: não íamos a sítios onde fosse preciso verificar a conta. Se em dois dias seguidos o proprietário se enganava em seu favor, ao terceiro dia já lá não nos apanhava. Isso era sagrado, uma questão de princípio e de postura – a hora de comer não podia ser fonte de arrelias escusadas.

Nunca contabilizei o tempo que perdíamos em esperas – pela mesa, pela lista, pela comida e pela conta. Também não faço ideia que quantidade de paciência me foi necessária para aturar as tuas divagações circulares, as tuas obsessões, o teu discurso incoerente, que mudava de dia para dia. Nem saberia em que unidade medir a paciência. Mas sei, vagamente, que tinhas piada, pelo menos que dizias piadas e que não costumavas repeti-las. É curioso, não me lembro se costumavas contar anedotas... histórias, sim, contavas.
E, na altura, isso chegava-me, ou, em rigor, eu não procurava mais do que exactamente o que tu me davas, e que era, salvo erro, rigorosamente quase nada.
Sei vagamente ainda a cor dos teus olhos: azuis, verdes ou cinzentos? A tua silhueta recorta-se-me de quando em vez, fugidia, nos corredores vagos da memória.
Sei que tudo isto (à falta de melhor designação Isto terá de servir) durou um inverno inteiro, e mais um verão, talvez inteiro. Mas saber de nós, de mim, de ti, do que fazíamos ali, na verdade não sei nada.

Apenas sei que, de tudo o que vivemos nesses almoços vagamente tristes, é como se verdadeiramente eu nunca tivesse sabido nada, e um alheamento doce me tolhesse, agora, o entendimento desses dias.
Não sei mais o que aconteceu connosco.
Não me lembro de nada.

Friday, June 09, 2006

Salários em atraso outra vez?!

Dêem, se puderem, uma voltinha pelo link seguinte:

http://www.cienciahoje.pt/3395

em que se relata a iniciativa de um colega meu, bolseiro de investigação. É escandaloso que muitas instituições de investigação neste país sobrevivam, na prática, com o trabalho dos bolseiros e que depois, para além de lhes pagarem pouco ainda lhes paguem tarde e más horas!