Sunday, November 19, 2006

A prenda enjeitada

Aquilo pareceu-me mal. Não disse nada, mas o que se passou ofendeu-me. Nem posso jurar que a intenção dela fosse essa, mas o meu amor próprio saiu vexado, ferido.
Não se deprecia assim uma prenda...
Bom, mas o melhor é contar a história do princípio.

Eu tinha perdido o contacto com A. Durante anos a fio não soube nada dela, as voltas da vida a atrapalharem-me a disposição para procurar antigos amigos. Era essa a minha culpa, a minha justificação para não mais a ter procurado. E, julgava eu, essas seriam também as razões dela. Quando um dia nos encontrámos por acaso numa rua da Lapa, concluímos que os nossos locais de trabalho afinal ficavam bem perto. De imediato me prontifiquei a ir visitá-la ao dela. Combinámos e lá fui eu, no dia aprazado.
Pensei que iríamos almoçar juntas. Mas não lhe era possível. Conversámos, sem sair do posto de trabalho dela, que atendia público, mas não tinha, àquela hora, quase ninguém. Mas aquele reencontro inesperado, tão desejado por mim, teve logo ali um sabor intenso a desilusão, a prato requentado. Qualquer coisa tinha irremediavelmente mudado. Pensei que talvez eu também tivesse mudado. Ainda a convidei a visitar o meu local de trabalho, na altura situado num magnífico parque verde no meio da cidade (um serviço público em forma de jardim, no dizer de um colega espirituoso) . Mas ela nunca lá foi. Ou se foi (não posso jurar) palavra que não me lembro de nada. A desilusão e a incomodidade do nosso desajeitado reencontro manteve-se intacta, mas, como se aproximava o Natal, resolvi fazer mais uma tentativa. Comprei um boneco de peluche branquinho para oferecer à filha dela. (Lembrava-me de um brinquedo que ela tinha oferecido ao meu mais velho e que eu, por lhe ter perdido o rasto, nunca havia retribuído.) E fui, toda contente, entregar a prenda. A reacção dela foi um enorme balde de água fria: que a menina já tinha muitas prendas, que aquela ia directamente para o armário sem ser aberta, à espera de melhores dias, para a bebé não se confundir com tantas "coisas". A minha prenda, comprada com amor e carinho, ficava, assim, no mero rol das "coisas" à beira da inutilidade. Como sempre em situações semelhantes, não arranjei nada para dizer. Apenas tratei de sair dali o mais rapidamente possível. Nunca mais lhe telefonei. Ela a mim, também não.
Soube muito mais tarde que A. deixou de se dar e até de falar com as pessoas do nosso grupo, por razões políticas ou outras, não sei. Mas a mim, que não nutro apreço particular por Zitinhas Seabras de meia tigela, nem foi isso o que me afastou! O "problema" foi mesmo a prenda enjeitada! Acreditem vocês ou não...

2 Comments:

Blogger Kahlix said...

Sabes que mais? Se na altura já houvesse Playstations e Pokemons em vez dum simples e fofinho peluche (aposto que nem sequer levava pilhas, Duracell ou similares), concerteza o desfecho da história seria outro, e por esta altura tu e A. iriam juntas, alegremente, assistir a inaugurações de submarinos do Paulinho Portas...

November 27, 2006  
Blogger Alice said...

Obrigada pela tua compreensão, Kahlix.
Em termos cronológicos é que não me soa muito bem: parece-me que o Paulinho Doors ainda usava fralda nessa altura. Já foi há tanto tempo!

November 28, 2006  

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