Monday, March 12, 2012

Na Mesquita de Córdoba

De Miguel Torga (1951), Antologia poética. Coimbra: 1981, p. 296

Recolheu ao seu berço, perseguido
Por um outro colega intolerante,
Alá, deus das Arábias ressequidas.
Veio ver como era a Andaluzia;
E gostou deste chão de riso aberto
Onde o seu coração reverdecia.
Mas, corrido a orações e virotões,
Num minguante de moiras ilusões,
Lá se foi novamente às suas dunas
Caiar de branco a fé das açoteias.
E o seu palmar divino arquitectado,
Que aqui plantou, ondula mutilado,
Com saudades do dono e das areias.

Monday, July 18, 2011

Brilharetes

E deixamos tudo para trás e vamos à procura de extra-terrestres; deixamos os pobres, os mal cheirosos, fugimos até do rasto deles, esquecemos os cães abandonados ao desespero da falta de dono (ainda que mau, ainda que rude, o dono era a sua segurança) e vamos todos fazer outra coisa – lavar os dentes, lavar os cus para esquecer que o nosso próprio cheiro é igual ao dos pedintes sem água nem sabão, com o desespero a minar-lhes as réstias de vida que teimam em não abandoná-los, as noites gélidas a arrastarem-se por eternidades, infernos sem fim – porque não vem a morte de mansinho servir-lhes de cobertor? Pergunto-me e respondo logo: porque não há deus!
(A propósito de Brilharetes, uma peça que vi no festival de Almada 2011)

Friday, February 05, 2010

Aviso aos navegantes

Caros amigos (e outros que por aqui passem) este blog continua aqui mesmo ao lado, no Palavras sem dono, cujo link é:

http://palavras-sem-dono.blogspot.com/

Wednesday, April 30, 2008

crónica sombria

Amigos que o foram (ou não)

Sabemos como a vida é capaz de nos dividir caminhos e fazer mergulhar em forçada solidão. Como se encarrega de nos enredar em turbilhões sombrios de deveres e haveres. Como as amizades se perdem na distância que não se pode percorrer ou no tempo que não pode volver. Aceitamos tudo isto como natural e imprescindível ao nosso avanço pela vida dentro.
Conhecemos a ordem implacável do mundo que nos obriga a velocidades maiores que o nosso passo e no entanto…
Se de repente nos surge um desses fantasmas do passado que não esquecemos, alguém que nos acompanhou e que perdemos sem razão aparente, queremos recuperar o tempo perdido, pô-lo de novo a fazer parte do roteiro dos nossos dias.
Dói quando tentamos e percebemos que no outro existimos já e só apenas em catálogo, numa prateleirinha bem colocada do armário, à qual ninguém limpa o pó e pela qual se passa sem olhar.
Dói, apesar de “natural”, dói, apesar de ser exactamente isso o que esperamos desse fantasma que tínhamos feito tudo para esquecer e afinal ainda nos acena, enganador. Dói corrosivamente, sem explicação racional, até que o esquecimento repõe a tranquilidade desejada. Fica-se mais pobre, sem remédio.

Wednesday, January 30, 2008

Programa de investigação

Sei que olho para ti como se já tivesses morrido. Não podes já convencer-me de nada, existes numa esfera onde não navego. Nem dor nem raiva, sinto conforto e falo de ti no passado.
E no entanto
Indico-te mil caminhos,
Deixo-te pedrinhas brancas a marcar o caminho de mim

Não trilhas nenhum, vagueias em volta de alguma pedra negra que lá não pus; depois recuas, o medo a atrapalhar-te as escolhas que nunca soubeste fazer, sempre à espera que o vento te empurre numa ou noutra direcção, alheia à tua vontade e responsabilidade. Mais fácil é acusar o vento. Andar ao sabor dele, por comodismo ou simples tentação.

A propósito, nem sei o que te tenta agora. A morte levou-te, lembras-te? e aos mortos falta toda a espécie de curiosidade – nem te importarão viagens, nem tesouros, nem aventuras de cama e mesa.
Ao contrário da minha gata preta, para a qual um simples caixote de papelão é um programa de investigação inteiro!!!

Sunday, January 13, 2008

ressaca

eu sabia ou pelo menos suspeitava, que quando acabasse "o trabalho" se passaria qualquer coisa sem explicação e mesmo muito, muito estranha - não que tenha já entregue o trabalho, mas só lhe farei mais uns retoques, a cosmética, por assim dizer.
nunca tomei drogas, álcool só muito de vez em quando, mas suspeito que o quadro que me corresponde se chama ressaca, por isso desculpem qualquer coisinha...

Wednesday, November 28, 2007

gata preta

Tenho ao colo uma gata enroscada num cascol porque não a quero arrefecer com as minhas mãos sempre frias... isto será normal ?
Enquanto espero que acorde vou postando...