Thursday, February 16, 2006

Aprender botânica

No meu tempo de faculdade, num país estrangeiro onde tive o prazer de estudar, frequentei uma disciplina de Botânica Florestal.
Desengane-se quem pensar que o estudo da botânica é uma coisa enfadonha e pouco divertida. A história que vou contar prova o contrário!

Durante o primeiro ano frequentei um curso de Tecnologia da Madeira, com uma forte componente de Matemática e disciplinas tecnológicas. Assim que me apresentaram à Electrotecnia, no início do segundo ano, decidi muito rapidamente que me tinha enganado na escolha do curso e mudei para Engenharia Florestal, muito mais de acordo com a minha natureza. Só que os curricula dos dois cursos eram muito diferentes - foi preciso fazer algumas cadeiras do primeiro ano do novo curso durante o segundo ano. Uma delas precisamente Botânica. A comparência às aulas práticas era obrigatória. Tínhamos pois, eu e outra portuguesa, aulas com os alunos do primeiro ano de Silvicultura.
Nesse ano, por via de uma qualquer resolução estatal, apenas entraram rapazes no curso, portanto nós, eu e a Maria, caídas ali no meio de pára-quedas, únicas raparigas, ainda por cima estrangeiras, provocávamos um certo sururu…
O Assistente das Práticas, de nome Pavlov, era um homem sisudo mas educado, muito alto e dando sempre a impressão de ter engolido uma vassoura no minuto anterior. Costumava saudar-nos assim: ora lá vêm as colegas com os apelidos estritamente botânicos (a Maria, de apelido Flor, e eu, de apelido Palma). O sujeito sabia daquilo que até arrepiava. O costume era, em cada aula prática, mostrar-nos as plantas herbarizadas estudadas na aula anterior, tapando o respectivo nome. Havia que dizer o nome vulgar e os nomes em latim das ditas, sempre nome e sobrenome e, por vezes, classificador. A nós dispensava-nos do nome em búlgaro, já que o latino é usado em todo o mundo e é perfeitamente suficiente para sabermos de quem estamos a falar.
O facto de termos de aprender os nomes das plantinhas em latim para nós, dada a proximidade com o português, não era caso bicudo. Já para os nossos amigos búlgaros o caso era outro: os sons do latim eram qualquer coisa sem sentido que eles papagueavam por pura obrigação.
Como em todas as turmas, também naquela havia os tipos que estavam desejosos de passar no exame com o esforço mínimo indispensável e os que queriam brilhar, ainda mais à frente das meninas, ainda por cima estrangeiras. As meninas éramos nós, eu e a Maria.
Um belo dia estudávamos as plantinhas do limite superior da floresta, aquelas que vão (é o termo técnico) a altitudes próximas dos dois mil metros. A pobre violeta (em rigor nunca soube o seu nome vulgar em português) chamava-se Soldanella montana.
Um desses meninos muito aplicadinhos e que sabem sempre tudo estava presente na aula. O nosso amigo, num assomo de brilho e sabedoria, julgava ele, sai-se com um nome latino que tinha até a vantagem de rimar: Soldanela montanela. Foi o fim da picada. A Maria, que tinha um riso em escala diatónica, absolutamente incontrolável, riu durante meia hora e só parou quando as dores de barriga a obrigaram a isso. Eu, menos exuberante, fiz os possíveis por me conter. O Professor olhava para nós estupefacto (as meninas até costumavam comportar-se). Eu desculpava-me com a minha incompetência linguística para traduzir a graça… Era o que faltava!
Escusado será dizer que nunca aprendemos o nome do marrãozinho - ficou daí para a frente o "montanela". E cada vez que o avistávamos, ainda que à distância de um corredor inteiro, eu e a Maria tínhamos cada uma o seu ataque de riso, que o coitado nunca pôde entender.

1 Comments:

Blogger Fokas said...

CCCP
Missão secreta:
Pedi a uma alentejana, uma búlgara e uma russa para depositarem uma encomendada em casa da Y. C.
PS: nenhuma delas sabe nada de Botânica!

February 17, 2006  

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